Distinção Criador-criatura: o fulcro da controvérsia entre Clark e Van Til; Analogia.

Uma das maiores preocupações de Van Til era manter a distinção entre Criador e criatura.


Deus é imutável, infinito, eterno, sabedoria, verdade, santidade e bondade. Ao criar soberanamente as criaturas, fê-las temporais, finitas e mutáveis. A distinção entre os dois permanece na relação entre ambos. Sendo independente de sua Criação, Deus mantém-se o mesmo nesta relação.


Manter esta distinção foi uma das preocupações em sua controvérsia com Clark, mas na relação entre conhecimento de Deus e conhecimento humano. 


O conhecimento que Deus tem é "arquetípico". Seu ser é conhecimento. Deus não conhece as coisas passivamente, mas ativamente e eternamente, porquanto as criou. Deus não pensa proposicionalmente, porque Ele não precisa. Deus conhece-se a si mesmo absolutamente e conhece absolutamente todas as coisas.


O conhecimento humano, por outro lado, é finito e chamado, desde antes de Turretini, Hodge, Bavinck, e outros, até Van Til, de "ectípico". O ser humano conhece tudo de forma limitada e qualitativamente inferior quando comparado a Deus. Isto significa que, embora nosso conhecimento seja verdadeiro, ele não é exaustivo como o de Deus é. [Arquetípico e Ectípico são termos escolásticos.]


Um exemplo grosseiro: se um pai diz a uma criança para não colocar o dedo na tomada, está dizendo-o a verdade. A criança, confiando na autoridade paterna, tem conhecimento verdadeiro de que dedo na tomada significa perigo. Mas ela não entende nada de eletricidade, biologia ou Eletrobrás. Seu conhecimento é verdadeiro, embora limitado.


A controvérsia entre os dois girou em torno da possibilidade ou necessidadade de coincidência entre o conhecimento divino e humano em algum ponto. Para Clark, a resposta era positiva, porque o contrário, de seu ponto de vista, seria negar verdadeira comunicação entre Deus e o ser humano. Para Van Til, a resposta era negativa, porque o contrário seria borrar a distinção Criador-criatura. Para Clark, a diferença entre o conhecimento de Deus e o nosso é "quantitativo". Para Van Til, é tanto quantitativo quanto necessariamente "qualitativo". Deus sabe mais e melhor. 


Para descrever a natureza da relação entre o conhecimento humano e o conhecimento de Deus, Van Til escolheu o termo "analogia". De acordo com Oliphint, o termo foi escolhido por ter sido usado por Bavinck e este o usou porque é o termo tradicionalmente usado para descrever precisamente esta questão, não obstante, com um significado sutilmente distinto. Para Bahnsen, "analogia" significa "analogia de uma analogia". Para Frame, o termo seria melhor entendido como "cópia finita".


"De sua doutrina de analogia, Aquino tirou consequências a respeito do uso de termos, concluindo que nenhuma linguagem humana a respeito de Deus poderia ser literal. ou "unívoca". Esta é a conclusão que Clark critica como cética. Mas a doutrina de analogia insinua qualquer coisa similar? Eu acredito que não. Weaver está certo em dizer, "Para [Van Til] analogia não se aplica a termos, mas a um processo do pensamento humano: o homem é o análogo criado de Deus tanto em seu ser quanto em seu conhecimento," [...] Clark está errado em supor que Van Til queria dizer a mesma coisa que Aquino com o termo "analogia". Eu penso que Weaver também está certo em sugerir que Van Til deveria ter escolhido um termo diferente pelo qual descrever seu conceito de réplica finita. Ele sugere: "Deve ser dito que o conhecimento humano envolve um 'relacionamento de imagem' com o conhecimento de Deus, ou que o conhecimento humano é refletivo daquele de Deus"." 


"Sua própria visão de analogia é que o conhecimento humano é uma "réplica finita" daquele conhecimento de Deus. Não é o próprio conhecimento de Deus, nem está em um 'continuum' com o conhecimento de Deus. Como tudo que é humano, ele [o conhecimento humano] é criado, finito. Mesmo assim, nosso conhecimento é uma réplica finita do conhecimento de Deus. Isto é, no conhecimento humano nossos pensamentos refletem os pensamentos de Deus de tal forma que podem ser julgados como verdadeiros. Quando nós obtemos conhecimento, nós "pensamos os pensamentos de Deus depois d'Ele."


Van Til também usa "análogo" ou "analógico" para descrever um método de raciocínio, um método de obtenção de conhecimento. [...] Van Til menciona a importância de se estar sujeito à Revelação de Deus. Isso é "pensamento análogo" ou "raciocínio análogo". Van Til fala desse raciocínio como "auto-conscientemente analógico". Pensamento "unívoco", em contraste, pressupõe autonomia humana e renuncia submissão devida à autoridade divina."


-- John Frame, "Cornelius Van Til: An Analysis of His Thought", p. 77-78.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

UMA CRÍTICA VAN TILIANA AO ARGUMENTO COSMOLÓGICO KALAM

O Método de Van Til Conduz ao Relativismo Religioso?

VAN TIL: A Reforma Presbiteriana Contra O Liberalismo.