UMA CRÍTICA VAN TILIANA AO ARGUMENTO COSMOLÓGICO KALAM




Antes de mais nada, eu quero deixar claro que eu não menosprezo o Dr. William Lane Craig. Eu não sou soberbo a ponto de pressupor que eu sou mais filosoficamente capacitado do que ele. Não passo de um aprendiz do Dr. Cornelius Van Til. Este post existe porque eu não sei como o Dr. Craig responderia ao que aqui será exposto. Eu também quero deixar claro, não obstante, que eu acredito que o Argumento Cosmológico Kalam [ACK] conduziu muitos ateus à crença em Deus. Não nego esse fato. Mas eu acredito também que o ACK é eficiente apenas contra ateus que não são versados em filosofia. Isto significa que, apesar da aparente eficiência que tal argumento demonstra ter na mente das pessoas "comuns", ele não é necessariamente um argumento que supre requisitos filosoficamente mais profundos. E tenho em mente mais especialmente o tipo de objeções e requisitos que seriam levantados por David Hume e Immanuel Kant. 


Podemos resumir o argumento da seguinte forma:

1. Tudo o que começa a existir tem uma causa;

2. O universo começou a existir;

3. Logo, o universo tem uma causa.
[Nota: acrescenta-se à conclusão que esta causa é (provavelmente) Deus.]

Embora seja um silogismo válido, ele não é necessariamente verdadeiro. A verdade de sua conclusão depende da verdade de suas premissas. Se as premissas forem provadas injustificadas, ninguém é racionalmente obrigado a concordar com a conclusão.


A crítica aqui apresentada foca-se na premissa (1) e na conclusão (3). Do meu ponto de vista, a premissa (2) tem uma boa defesa por parte de Lane Craig, que cita o filósofo Al Gazali, segundo a qual um número infinito de causas é metafisicamente impossível e absurdo. 


O problema com a premissa (1) reside precisamente nas suas pressuposições. Precisamos lembrar que este argumento é direcionado para não-Cristãos, que não pressupõem o Deus Cristão. É-nos dito que "[t]udo o que começa a existir tem uma causa". Um empirista como Hume não aceitaria essa premissa porque ela precisa pressupor que (a) o sujeito do conhecimento conhece todos os fatos do universo, sendo onisciente; ou que (b) existe "uniformidade na natureza". Nenhuma das duas pressuposições sustentam-se sozinhas em bases puramente empíricas, como demonstraremos a seguir.


Como um ateu responderia à premissa (1)?


Um ateu consistente com seu próprio princípio suporá que pode ser que existam coisas no universo que comecem a existir sem causa . Nossa experiência do universo é limitada. Mesmo que seja absolutamente necessária para a atividade humana, a crença na causação existe com base na experiência limitada do conhecedor humano. Apenas um ser onisciente conhece todos os fatos do universo, e o conhecedor humano não é onisciente. Ainda, nada justifica a crença de que porque a causação parece justificada na nossa experiência do passado ela será verdadeira para o futuro. Ou seja, nada justifica a crença de que o amanhã será como hoje. 


Como dissemos, estas são as objeções que um ateu bem versado filosoficamente levantaria. Um ateu "comum" jamais questionou a crença na "causação" e na "uniformidade da natureza", porque elas são fundamentais para as tarefas mais cotidianas. 


Por outro lado, um van tiliano não enfrenta qualquer problema com a premissa (1). Deus é onisciente, sustentando (a). Pela Revelação de Deus, temos contato com uma versão finita do sistema de pensamento que existe na mente do Criador. Por causa de Deus, a causação se torna justificada e inteligível. Ademais, nossa crença em Deus também permite que creiamos na uniformidade da natureza (b). A providência e a imutabilidade de Deus garantem que existem normas na natureza.


E como um ateu responderia à conclusão (3)?


Mesmo que fôssemos convencidos de que a premissa (1) é válida, não parece haver razão para crermos que o universo tem uma única causa. Por que não várias causas? Mais: como sabemos que essa causa ainda existe? E se essa causa aconteceu e deixou de existir? O que mais podemos saber sobre essa causa? 


Parece ainda haver um salto lógico da conclusão (3) para a identificação de Deus como essa causa. Se começamos o argumento a partir da experiência, por que devemos concluir algo além da experiência? Nós sabemos que relojoeiros fazem relógios, mas nós não sabemos que deuses fazem universos a partir do nada. Nós não temos qualquer experiência com os atributos divinos.


Estes não são os únicos problemas envolvendo o argumento. Enquanto o Cristão pressupõe Deus como metafisicamente último, o não-cristão pressupõe o Acaso como metafisicamente último. Se esse argumento demonstra a existência de uma deidade, isto significa que tal deidade está rodeada por possibilidade abstrata, sendo definida como possível a partir da lógica humana. Cristãos não-pressuposicionalistas têm dificuldade para entender as implicações de tal posição. Se o Deus do argumento é definido a partir de uma possibilidade abstrata, isto significa que ele está nas mesmas condições metafísicas do homem. Sua Palavra não seria autoritativa no sentido Cristão; ela seria, no máximo, a autoridade de um especialista, que é a única autoridade aceitável na epistemologia moderna. Mas o Deus da Bíblica revela-se com uma autoridade última. Seu conhecimento torna os fatos o que eles são. Se o argumento demonstrasse a existência de Deus, haveria muita dificuldade em identificá-lo como o Deus do Cristianismo.


Eu não sinto prazer nesta reflexão. Eu espero que existam respostas sólidas às questões levantadas. Não obstante, eu devo demonstrar a superioridade da Apologética Pactual e buscar por uma defesa certa do Cristianismo. Neste post, eu sequer entrei nas questões éticas envolvendo a epistemologia pressuposta pelo argumento. 


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